domingo, 3 de fevereiro de 2013

DA NATUREZA ESPIRITUAL DO TRABALHO INTELECTUAL

             Durante um bom tempo nestes meus 56 anos de Vida, 35 dos quais em sala de aula ocupando este Sagrado Lugar de Educador, passei por diversas crises de "identidade intelectual". Algumas vezes me achava incompetente porque não conseguia (e ainda não consigo) escrever por escrever, escrever simplesmente para demarcar território, para competir, para atrair os holofotes em minha direção. Não é que eu já esteja imune a este mecanismo de defesa egóico, fruto de carências.... é que ainda utilizo outros expedientes para adquirir reconhecimento, ser aceito e outras ilusões deste "eu apequenado". Em outros momentos achava que não tinha o que dizer (e não tinha mesmo) e que valesse a pena ser compartilhado. Às vezes achava que estava no lugar errado, que deveria arrumar outra coisa prá fazer porque o "trabalho intelectual" me parecia demasiadamente enfadonho, desinteressante, até mesmo inútil. Em suma: eu me via muito distante do modelo de intelectual e do tipo de trabalho intelectual predominantes. 
        O historiador Jacques Le Goff, em seu Os intelectuais na Idade Média, dá algumas pistas de como este modelo predominante de intelectual ainda presente nas Universidades e em outros espaços, se constituiu. Aí podemos antever a "mumificação" do intelectual, coisa tão comum em nossos dias.
Em recente (abril 2012) entrevista à Revista Bravo, o poeta, professor aposentado da Universidade Federal do Ceará, Padre Daniel Lima, declama um trecho de poema de sua autoria que -a meu ver- melhor define o perfil de intelectual ainda predominante entre nós. Ele diz assim: "O intelectual é um urubu, que pensa que está vestido mas que está nu, com a pena de pavão enfiada no cu". Pronto: perfeito. 
Mas não estamos aqui para condenar o intelectual, nem tão pouco este triste modelo de "intelectual". Nos colocando no lugar de compreender aí podemos decifrar seres humanos frágeis, inseguros, que necessitam do orgulho e da arrogância como  mecanismos de auto-ilusão, de modo a esconder de si mesmos, seus complexos de inferioridade, suas carências e temores. Armadilhas do ego...
              (vamos ver se consigo retomar o fio da meada pois, pai solteiro que estou, tive que fazer
               uma breve pausa para, aproveitando o sol, estender as roupas de minhas filhas no varal ).
    Pois bem, qual será então o "modelo" de intelectual que possa justificar (para além das agências financiadoras, do mercado editorial, etc.) sua existência nos dias atuais?
       Vou falar a respeito de algo que tenho experiência: vou olhar para minhas próprias vivências. Não que eu me ache um "intelectual modelo". Quero aqui ater-me ao quando e como passei a encontrar sentido em minhas práticas intelectuais.
         No auge da "crise de identidade intelectual", um dia cheguei em casa com muita raiva daquela turma de estudantes de História da disciplina Prática de Ensino. Por mim não voltava mais lá. Pra piorar (ou melhorar) ainda mais as coisas tive que escutar da boca da minha então mulher: "será que o problema não estará em você que ainda não conseguiu chegar até eles?". Pronto: esta a chave que me abriu algumas portas. Não que eu responsabilize o professor, 100%, pelo fracasso da educação formal... mas reconheço que cabe a ele romper com os padrões que impedem a realização de práticas verdadeiramente educativas.
Passei desde então a olhar mais para mim até perceber (emocional e racionalmente) que minhas práticas pedagógicas não estavam desvinculadas de meu Ser e Estar no Mundo. Havia muita incoerência entre o que eu pretensamente ensinava e o que praticava cotidianamente. Minhas palavras saiam do arquivo residente na minha cabeça, não brotavam de meu coração. Eram palavras vazias de vida e que, portanto, não poderiam chegar ao coração de ninguém. Mero eruditismo, pedantismo intelectual. Não havia sintonia entre o que eu pensava, falava, sentia e praticava. À fragmentação de mim mesmo correspondia a fragmentação de conteúdos, metodologias, abordagens, teoria e prática.
            Daí prá frente fui me dando conta, paulatinamente, de que o trabalho reflexivo só faz sentido se puder, primeiramente, me possibilitar me transformar em uma pessoa melhor: mais coerente, amável, responsável, solidário, generoso, etc. Em suma: em sua raiz é bom, e essencial, que esteja a decisão de Servir. Servir ao desenvolvimento humano (libertação de tudo o que nos escraviza e nos torna míopes ou cegos à Realidade e nos faz prisioneiros das ilusões)  e integral dos seres, das sociedades.  A busca não é pelo sucesso, pelo reconhecimento. É o desejo de conhecer a si mesmo, tornar-se melhor, para que o mundo possa ser melhor. Colaborar na diminuição dos sofreres individuais e coletivos.  Transitar pelo mundo causando menos sofrimento possível a si e aos outros. É a esta perspectiva que estou chamando "natureza espiritual" do trabalho intelectual.
                Nesta empreitada já são em número significativo os autores que nos precederam neste Caminho e podem vir em nosso auxílio. Dentre eles: Gurdjieff, Ouspensky, Gusdorf, Graf Durckheim, Carlos Byington, Leloup, Helen Palmer, Milton Santos, Humberto Maturana, Blavatski, Peter Brook, Grotowski, Chopra, Clarissa Pínkola, Claudio Naranjo, Márcia Campbell, Miria de Amorim, D.T. Suzuki, Margareth Martins, Andre Andrade Pereira, Cristina Delou, Joseph Campbell, Mircea Eliade, Rudolf Otto, Dora Incontri,  Pierre Weil, Gloria Lotfi, Regis de Moraes, Ruy Cesar do Espírito Santo e tantas outras e outros.

Até breve,
Carlos Parada.


       


                         

Um comentário:

  1. Creio que este texto reproduz de forma simples , profunda e objetiva, a busca do homem que tenta viver de forma coerente e verdadeira a missão de ser Educador e SER HUMANO, na sua forma mais profunda e complexa. Sempre almejando vôos maiores em direção a um objetivo maior, sua VERDADEIRA ESSÊNCIA.

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