quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

DA NATUREZA ESPIRITUAL DO TRABALHO INTELECTUAL II



                Será possível pensarmos a respeito do trabalho intelectual de maneira isolada, à parte, sem conexão com outra modalidades de trabalho?
É claro que podemos pensar e escrever o que quisermos, com o objetivo que quisermos, da forma que quisermos. Então a questão é: como pensar o trabalho intelectual a partir de uma Perspectiva Espiritualizada (que transcenda o ego e portanto não tenha como motivação a vaidade, a busca de fama, o desejo de poder pessoal e tantas outras ilusões)?  Aí faz sentido recolocar a questão: será que faz algum sentido pensarmos o trabalho intelectual - única e exclusivamente -  a partir de sua especificidade? Ainda que tendo suas peculiaridades, como aliás todas as formas de trabalho as tem, penso que o trabalho intelectual (numa perspectiva a partir do espírito) precisa ser pensado no contexto do Trabalho Maior: o Trabalho sobre Si mesmo, o Trabalho de Autoconhecimento e Auto-Transformação. Isso implica, necessariamente, em  buscarmos uma sintonia mais fina entre aquilo que pensamos-escrevemos-falamos e aquilo que efetivamente sentimos-acreditamos-buscamos vivenciar, praticar. 
Dando mais um passo à frente e acima: O Trabalho enquanto Serviço, colaboração à Humanização. Isso, sem dúvida, irmana todas as modalidades de trabalho porque, afinal, pouco importa se estamos com uma caneta, um teclado ou uma enxada ou vassoura nas mãos ou diante de nós.O que realmente conta (em termos espirituais, em termos da nossa própria Humanização, do Encontro com nós mesmos e com a Divindade que nos habita) é a intenção, a dedicação e O Amor com que realizamos as nossas atividades laborais, sejam elas quais forem. É estarmos inteiros, estarmos presente naquilo que estamos fazendo. E isso ainda que seja uma coisa bem simples não é tão fácil, acostumados que estamos a agir no "piloto automático", ausentes de nós mesmos, tarefeiros, executores automáticos de tarefas pré-programadas que realizamos com as mãos ou com a cabeça, mas a mente, o coração frequentemente estão em outro lugar, caminhando em outra direção. Tarefas executadas sem concentração. Resultado: esgotamento físico e mental, desânimo, e até mesmo (o que frequentemente acontece) acidentes.
Na medida em que nos Consagramos (Dedicamos de Coração) àquilo que estamos realizando e o fazemos com consciência,  inteiros, os frutos serão sempre saborosos,   positivos. Simplesmente porque, seguindo a nossa Intuição faremos o que necessita ser feito, não estaremos preocupados com resultados ("o futuro a Deus pertence") e colheremos o que tivermos que colher. Porque não buscamos glória, reconhecimento, recompensa: nos colocamos no lugar de instrumento. Instrumento da Vida, da Natureza, do Universo, ou se preferirmos, de Deus, do Sagrado, Senhor-Senhora do Universo.  
                     Então a questão central volta a se apresentar: o que é que queremos fazer de nossa Vida, de nossa breve estada por esta Terra-Mãe que generosa e amavelmente nos acolhe? Onde está o nosso Coração? Quais as nossas prioridades? Sem nos colocarmos estas questões iniciais penso que o trabalho intelectual assim como qualquer outra modalidade de Trabalho perderá sua Força Transformadora e sua verdadeira razão de ser: instrumento a Serviço do Trabalho Maior de chegarmos um dia a sermos Quem realmente somos (manifestação do Sagrado no Mundo -" imagem e semelhança...." em tudo aquilo que temos de original e de comum com os Outros). 
Felicidades, Saúde, Paz, Alegria e Prosperidade a toda Humanidade!
Carinhosa e afetuosamente,
Carlos Parada.


domingo, 3 de fevereiro de 2013

DA NATUREZA ESPIRITUAL DO TRABALHO INTELECTUAL

             Durante um bom tempo nestes meus 56 anos de Vida, 35 dos quais em sala de aula ocupando este Sagrado Lugar de Educador, passei por diversas crises de "identidade intelectual". Algumas vezes me achava incompetente porque não conseguia (e ainda não consigo) escrever por escrever, escrever simplesmente para demarcar território, para competir, para atrair os holofotes em minha direção. Não é que eu já esteja imune a este mecanismo de defesa egóico, fruto de carências.... é que ainda utilizo outros expedientes para adquirir reconhecimento, ser aceito e outras ilusões deste "eu apequenado". Em outros momentos achava que não tinha o que dizer (e não tinha mesmo) e que valesse a pena ser compartilhado. Às vezes achava que estava no lugar errado, que deveria arrumar outra coisa prá fazer porque o "trabalho intelectual" me parecia demasiadamente enfadonho, desinteressante, até mesmo inútil. Em suma: eu me via muito distante do modelo de intelectual e do tipo de trabalho intelectual predominantes. 
        O historiador Jacques Le Goff, em seu Os intelectuais na Idade Média, dá algumas pistas de como este modelo predominante de intelectual ainda presente nas Universidades e em outros espaços, se constituiu. Aí podemos antever a "mumificação" do intelectual, coisa tão comum em nossos dias.
Em recente (abril 2012) entrevista à Revista Bravo, o poeta, professor aposentado da Universidade Federal do Ceará, Padre Daniel Lima, declama um trecho de poema de sua autoria que -a meu ver- melhor define o perfil de intelectual ainda predominante entre nós. Ele diz assim: "O intelectual é um urubu, que pensa que está vestido mas que está nu, com a pena de pavão enfiada no cu". Pronto: perfeito. 
Mas não estamos aqui para condenar o intelectual, nem tão pouco este triste modelo de "intelectual". Nos colocando no lugar de compreender aí podemos decifrar seres humanos frágeis, inseguros, que necessitam do orgulho e da arrogância como  mecanismos de auto-ilusão, de modo a esconder de si mesmos, seus complexos de inferioridade, suas carências e temores. Armadilhas do ego...
              (vamos ver se consigo retomar o fio da meada pois, pai solteiro que estou, tive que fazer
               uma breve pausa para, aproveitando o sol, estender as roupas de minhas filhas no varal ).
    Pois bem, qual será então o "modelo" de intelectual que possa justificar (para além das agências financiadoras, do mercado editorial, etc.) sua existência nos dias atuais?
       Vou falar a respeito de algo que tenho experiência: vou olhar para minhas próprias vivências. Não que eu me ache um "intelectual modelo". Quero aqui ater-me ao quando e como passei a encontrar sentido em minhas práticas intelectuais.
         No auge da "crise de identidade intelectual", um dia cheguei em casa com muita raiva daquela turma de estudantes de História da disciplina Prática de Ensino. Por mim não voltava mais lá. Pra piorar (ou melhorar) ainda mais as coisas tive que escutar da boca da minha então mulher: "será que o problema não estará em você que ainda não conseguiu chegar até eles?". Pronto: esta a chave que me abriu algumas portas. Não que eu responsabilize o professor, 100%, pelo fracasso da educação formal... mas reconheço que cabe a ele romper com os padrões que impedem a realização de práticas verdadeiramente educativas.
Passei desde então a olhar mais para mim até perceber (emocional e racionalmente) que minhas práticas pedagógicas não estavam desvinculadas de meu Ser e Estar no Mundo. Havia muita incoerência entre o que eu pretensamente ensinava e o que praticava cotidianamente. Minhas palavras saiam do arquivo residente na minha cabeça, não brotavam de meu coração. Eram palavras vazias de vida e que, portanto, não poderiam chegar ao coração de ninguém. Mero eruditismo, pedantismo intelectual. Não havia sintonia entre o que eu pensava, falava, sentia e praticava. À fragmentação de mim mesmo correspondia a fragmentação de conteúdos, metodologias, abordagens, teoria e prática.
            Daí prá frente fui me dando conta, paulatinamente, de que o trabalho reflexivo só faz sentido se puder, primeiramente, me possibilitar me transformar em uma pessoa melhor: mais coerente, amável, responsável, solidário, generoso, etc. Em suma: em sua raiz é bom, e essencial, que esteja a decisão de Servir. Servir ao desenvolvimento humano (libertação de tudo o que nos escraviza e nos torna míopes ou cegos à Realidade e nos faz prisioneiros das ilusões)  e integral dos seres, das sociedades.  A busca não é pelo sucesso, pelo reconhecimento. É o desejo de conhecer a si mesmo, tornar-se melhor, para que o mundo possa ser melhor. Colaborar na diminuição dos sofreres individuais e coletivos.  Transitar pelo mundo causando menos sofrimento possível a si e aos outros. É a esta perspectiva que estou chamando "natureza espiritual" do trabalho intelectual.
                Nesta empreitada já são em número significativo os autores que nos precederam neste Caminho e podem vir em nosso auxílio. Dentre eles: Gurdjieff, Ouspensky, Gusdorf, Graf Durckheim, Carlos Byington, Leloup, Helen Palmer, Milton Santos, Humberto Maturana, Blavatski, Peter Brook, Grotowski, Chopra, Clarissa Pínkola, Claudio Naranjo, Márcia Campbell, Miria de Amorim, D.T. Suzuki, Margareth Martins, Andre Andrade Pereira, Cristina Delou, Joseph Campbell, Mircea Eliade, Rudolf Otto, Dora Incontri,  Pierre Weil, Gloria Lotfi, Regis de Moraes, Ruy Cesar do Espírito Santo e tantas outras e outros.

Até breve,
Carlos Parada.