Se tem uma coisa que atualmente tem ocupado lugar em meus pensamentos é este fenômeno (não tão recente) da religiosidade desprovida de espiritualidade. Segundo Chogyam Trungpa (Além do Materialismo Espiritual, Cultrix, 1993, p.19) a tendência do ego é ´"transformar todas as coisas visando ao seu uso próprio". Assim sendo, a espiritualidade também não lhe escapa, sendo frequentemente utilizada como mais um dos instrumentos da prática do auto-engano, tão ao gosto das artimanhas egóicas.
Ora, o ego é intrinsecamente apegado, carente de reconhecimento, cioso de bajulação, orgulhoso, controlador, possessivo, arrogante. É medroso por excelência, por ser profundamente inseguro. O trabalho educativo a ser feito é o de desbancar o ego da ilusão de que tem o poder de controlar a Vida. O ego deve ser educado, domesticado, transformado em servidor, colocado à disposição do EU, da Essência, do Self (Jung), do Eu interior, do Espírito. Mas, tristemente, o que presenciamos, em maior ou menor grau, em quase todos os seres humanos é o primado do ego, ditando ações, impondo-se, provocando sofrimentos. Ao apegar-se coloca-se na contra-mão da História, do movimento permanente da Vida. E ao apegar-se à Vida, caba por perdê-la. Ao apegar-se a idéias, conceitos, hábitos, se torna rígido, esclerosado, morto em vida.
O mundo contemporâneo, da maneira como ainda está estruturado, segue os modelos egóicos, centrados no isolamento, no consumismo, na insensibilidade às dores do Outro, no medo da morte, no desespero por segurança (falsa segurança). As religiões que poderiam (porque no geral foram desenhadas para isso) servir de alerta, de um convite ao despertar, de instrumentos de desacomodação têm, na maior parte das vezes, se prestado a darem a seus associados uma falsa sensação de evolução espiritual, contribuindo a que se acomodem mais, julgando-se melhores do que os outros, mais puros, mais santos. Isso porque, esquecendo-se de suas origens, e de sua natureza instrumental (instrumentos facilitadores da religação do ser humano consigo mesmo, com o Outro e com a Natureza Divina) convertem-se facilmente em instrumentos egóicos. Daí a centralização de poderes, os exageros hierárquicos provocando o distanciamento das bases e a criação de uma elite pseudo espiritual; o autoritarismo, o fortalecimento do patriarcalismo, os dogmatismos e intolerância, a confusão entre doutrina e doutrinação. Na base de tudo isso o tradicional "faça como eu digo e não como eu faço", o enorme abismo entre o que se ensina e o que efetivamente se vive. E se a gente se descuida ninguém escapa disso. Em minha própria Religião, historicamente ainda tão nova enquanto instituição, tenho encontrado alguns destes "desvios espirituais de conduta" tanto em seus dirigentes quanto em suas bases, por mais que se possa afirmar em contrário.
O que podemos fazer diante de tal quadro? Penso que além de buscarmos recuperar nossas origens espirituais necessitamos urgentemente iniciar um Trabalho permanente de cura de nossos patológicos egos. Primeiramente aprendendo a identificar os momentos em que ele está no comando, para colocá-lo no devido lugar de instrumento do EU. Como é que se faz isso? Simples: todas as vezes que nos sentimos melindrados diante do que nos dizem e "nos fazem", todas as vezes que nos sentimos ofendidos, injustiçados, os "coitadinhos", enraivecidos, com dificuldade de nos relacionarmos fraternalmente com os outros... pronto: com certeza o ego está dando as cartas, ditando comportamentos. Por outro, quando somos compassivos, generosos, amorosos, pacientes, otimistas, quando estamos serenos e tranquilos, saberemos que O EU está no comando. O Trabalho é diminuir os momentos em que o ego nos governa e ampliar aqueles em que nosso Eu Superior comanda nossa ação. Afinal, os egos não se entendem. Diálogo e Amor só de coração para coração, de Essência para Essência. Bom Trabalho para todos nós.
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